Artigos

O que você faria se fosse um Pit Bull?

Ambientes meio familiar são essenciais na formação do temperamento de seu pitbull - Reprodução/Flickr - RaleeneAmbientes meio familiar são essenciais na formação do temperamento de seu pitbull
Crédito: Reprodução/Flickr – Raleene

Falar que os Pitbull são vítimas e o reflexo dos cuidados que recebem é bater na mesma tecla. Todos nós já estamos cansados de ouvir isso. Por isso, vou abordar esse assunto de outra forma, através da visão do cão. Desta forma, poderemos desvendar alguns dos segredos que cercam esses animais. Esqueçamos um pouco o cão assassino, comedor de criancinhas e matador de velhinhos, cuja fúria sempre é comparada a de um demônio.

A história desses cães remonta a uma época cheia de descobertas, pobreza e pouca diversão. No início, alguns cães do tipo bull eram usados para a lida com gado. Muito utilizados por açougueiros, esses cães tinham o papel de dominar touros. Alguns açougueiros tinham a crença de que se um boi fosse morto após um combate sua carne seria mais saborosa por causa do estresse sofrido. Isso é apenas merchandising para vender seus produtos. Nesse processo, além de trazer entretenimento para alguns, ele teria a chance de vender a carne.

Muitos vão dizer que isso era algo muito cruel com o touro. Com certeza é. Mas, vamos lembrar dos cães que estavam nesses combates: eles também saiam muito machucados. Imagine: será que algum veterinário iria cuidar desses cães?

Com a proibição dos bull baiting, esse era o nome dessa prática, começaram as rinhas, pois isso também poderia render muito dinheiro: na venda de filhotes e cruzas de campeões, e na maioria das vezes com o enfrentamento entre cães. Em alguns países, a luta entre cães é permitida. No Paquistão, esses cães enfrentam outros animais, tais como: ursos, macacos e búfalos.

Como é um Pitbull?

Imagine que você é filhote, saudável, tem uma mãe carinhosa, seus irmãos estão sempre brincando com você. Seu dia se resume em brincar até não poder mais, aprender com aquele matinho malvado que não quer dobrar e depois comer, encher a barriga, e dormir sem se preocupar. Um dia, vem alguém te tira desse paraíso, o leva para um local onde os cheiros e os sons são muito diferentes daqueles que você conhece. É bom lembrar que você ainda é um bebê.

Sua rotina está mudando bruscamente: não brinca tanto tempo, a comida vem uma ou duas vezes por dia, e você passa o dia quase todo sozinho. Num determinado dia alguém vem brincar com você, te oferece uma bolinha, ou um ‘paninho’ e começa um divertido cabo de guerra. Logo depois você toma um banho de mangueira e vai passear com seu novo amigo. Tudo é muito novo e muito legal: árvores, grama, cheiros novos e outros cães como irmãos. Você se aproxima junto a seu novo amigo desses cães.

Muita gente te admirando e falando sobre sua beleza e força. Você fica muito feliz com seu novo amigo. Ele te olha e sempre sorri para você. Nesse momento, tudo que imagina é: não vejo a hora de ver esses outros cães que parecem meus irmãos. Antes disso, seu novo amigo volta a brincar você. Isso é muito legal. Outras pessoas fazem o mesmo e te convidam para brincar.

Repentinamente, você é levado para um lugar fechado que cheira a sangue, fezes, adrenalina. O medo te faz recuar. Seu amigo está lá e isso te deixa mais confortável, afinal você confia nele. Quando os olhos começam se acostumar com a falta de claridade, do outro lado você consegue ver que tem outro cachorro. Parece que você vai ter aquele momento que tanto aguardou: a oportunidade de brincar com outro cão. As pessoas que antes estavam brincando e admirando sua beleza, agora falam palavras estranhas e gritam seu nome. Seu amigo te incentiva a ir brincar com o outro cão. Você fica excitado, querendo muito isso, afinal faz tempo que não brinca com seus irmãos.

Finalmente seu amigo te solta. Você corre em direção ao outro cão para brincar. Quando chega mais perto percebe que além de ser maior, ele parece não querer brincar, mas fica muito animado ao te ver. Ao invés de brincar, ele te recebe com uma mordida firme, que causa grande dor. Você não consegue entender o que fez de errado, afinal seu objetivo era só brincar. Outra surpresa: outra mordida, seguida de várias chacoalhadas.

Agora é necessário se defender. Parece que o outro cão vai matá-lo! Você tenta mordê-lo, mas não adianta o cão que o agride parece não se importar. Seu amigo não lhe ajuda, apenas grita com você e nada faz. Alguns minutos se passam. Os ataques e investidas do seu opositor lhe deixam exausto. Algumas dúvidas surgem em sua cabeça: porque tanto ódio, sem que você tenha feito algo? Porque meu amigo não me socorre?

Quando tudo parece perdido e ninguém vem ajudá-lo, já quase sem forças, você, como qualquer filhote, chora em busca de auxílio da sua mãe, aquela que sempre lhe tratou com carinho. Nesse momento, como por milagre, aparece alguém, retira, com muito esforço, o outro cão enlouquecido de cima de você. Ao olhar para o lado poderá enxergar com dificuldade, por causa do sangue que escorre em seus olhos. Por conta dos ferimentos, seu amigo, por quem tanto procurou, não entendeu o que aconteceu. Achou que você estava brincando com o outro cachorro. Ele começa a brigar. Todos estão rindo e caçoando por que chorou e não aguentou o combate. Você tenta sem sucesso pedir desculpas ao seu amigo pela vergonha causada. Tenta subir em seu colo, lamber suas mãos, mas sempre a respostas são palavras rudes e agressões.

No outro dia, enquanto você está muito inchado, dolorido e mal consegue andar, seu amigo volta para vê-lo. Seu pensamento: “acho que ele trouxe algo para tirar minha dor”. Você o recebe com alegria, mas ao invés de cuidar dos seus ferimentos, coloca uma coleira e uma guia. Leva-te para passear em um determinado lugar. Aquele amigo em que tanto confia te chama para uma brincadeira. Mesmo dolorido você aceita brincar. Afinal, você o decepcionou tanto no dia anterior. Seu amigo pega uma bolinha. Ele sabe o quanto você adora e a atira longe: no mato. Imediatamente, você vai atrás e já imaginando: “não vou voltar sem a bolinha. Tenho que deixar meu amigo feliz!”

Depois de algum tempo de procura você volta com a bolinha. Descobre que seu amigo sumiu. O carro não está mais lá! O que aconteceu? Será que você ficou muito tempo procurando a bolinha?

As horas passam. Seu amigo desapareceu. Você cansa de esperar e começa a procurar por ele sem sucesso. De todos aqueles que você tenta se aproximar, fogem ou tentam te agredir. As pessoas são muito cruéis contigo. Quando você tenta achar um local para descansar vem alguém e o enxota. Alguns jogam água.

Depois de dois dias procurando, já com muita fome e sede, você tenta se aproximar de alguém. Talvez consiga outro amigo. Por incrível que pareça, alguém te chama, faz carinho e sorri. Você consegue outro amigo assim. Ele te leva para casa, dá um banho, põe uma vasilha cheia de ração. Você come até se fartar e adormece como nos velhos tempos de bebê. A casa é pequena. Você fica preso a uma casinha. Tem quase tudo: água, comida e até carinho. Quando teu amigo chega nada te falta, somente a liberdade. Você fica o dia todo amarrado a uma corrente.

Os anos passam. Você se torna um cão forte, muito musculoso, mas continua preso. O que te conforta são os minutos que seu amigo brinca contigo, cerca de dez minutos mágicos quando chega. Sua alegria é visível. Com o passar do tempo esses dez minutos se tornam 5, depois 4, por fim se torna apenas um aceno de longe. Você começa a perceber que está ficando sozinho novamente. “Será que decepcionei novamente meu amigo? Não estou tomando conta da nossa casa como ele queria?”

Uma dúvida começa a te corroer. “Preciso fazer algo?”. Caso contrário, já sabe o que acontece com quem não agrada o amigo. “Será que estou disposto a perder novamente minha casa, meus amigos, ser agredido e passar fome novamente?”.

“Começo a mostrar ao meu amigo o quanto sou importante tomando conta de casa enquanto ele está fora, não deixando ninguém ultrapassar os portões. Tentarei afastar outros cães com muito vigor, as crianças também, às vezes elas fazem caretas e gritam me desafiando. Tenho que ser mais bravo para ter sucesso e agradar seu amigo”.

Um dia seu amigo sai de manhã, acena e some depois de passar pelo portão. Você assume o seu lugar de guardião. Aparece outro cão e começa a latir para você. Imediatamente vem a resposta em forma de latidos. Agora você é muito forte, cresceu bastante nesses dois anos, e quando dá uma investida para assustar o outro cachorro a velha corrente arrebenta. Livre e, por descuido, seu amigo deixou o portão aberto, achando que você nunca teria forças para estourar a corrente. O outro cachorro late. Agora você está livre e pode perseguir e expulsar o atrevido. Age pensando que seu amigo verá quanto é valoroso e terá a chance de retomar o contato com ele.

Ao passar pelo portão o outro cão não foge como você imaginou e vem para enfrentá-lo. Você lembra o que aconteceu quando era um filhote e encontrou outro cão. Quando o outro peludo vem em sua direção você já sabe o que fazer. Não poderá perder tempo ou ele irá te machucar e você perderá novamente sua casa e seu amigo se fracassar. Agora, você tem algumas vantagens. Está muito forte e saudável. O outro cão é um velho vira-latas da rua, magro e sarnento. Dessa vez vai ser fácil. Quando começa a peleja, muitas pessoas começam a gritar e as crianças a correr, isso faz com que você tenha a certeza que está acontecendo novamente tudo o que aconteceu no dia em que foi levado para ver um outro cachorro.

Durante a briga você se lembra de procurar seu amigo, mas como aconteceu da outra vez sabe que ele não estará lá para ajudar. Então é só você. Tem que segurar firme o outro cão para que ele não o machuque. Muitas pessoas gritam como daquela vez. Vem a certeza que está tudo certo. Só precisa esperar que apareça outra pessoa e retire você de cima do seu oponente. Ao contrário disso, vem alguém com uma grande madeira na não e bate com toda força em sua cabeça, o que te deixa tonto, mas não o suficiente para te fazer desistir. Existe um compromisso com seu amigo e nada vai fazer você desistir, nem mesmo o choro do outro cão.

Os golpes continuam até que as pancadas te fazem perder os sentidos. O outro cão foge desesperado. Quando você volta, ainda muito dolorido, descobre que as pessoas ainda o observam com cara de assustadas e praguejando. Olha a sua volta e seu amigo não está lá. Isso quer dizer que você fracassou novamente e terá que conseguir uma nova casa e outro amigo. É difícil pensar por conta das pancadas na cabeça. Seus olhos incharam, o que dificulta a visão. Consegue enxergar aquele humano que lhe bateu até quase matá-lo. Ele continua com uma madeira na mão. Em sua cabeça vem a mensagem: “é ele ou eu”. Você investe contra seu agressor mordendo com firmeza para que ele não revide. O pânico se instala. Outra grande correria começa.

Na sequência, aparece outra pessoa e te chama pelo nome. Você larga o seu agressor para olhar quem te chama. Ao virar, você vê alguém que não conhece com uma coisa engraçada na mão, se aproxima para ver mais de perto o que é. Escuta um estouro e, na hora, perde a forças nas patas. Tenta fugir, mas as pernas não respondem. Escuta um novo estampido e tudo fica estranho. Os sons começam a ficar baixinho. As pessoas se tornam vultos. Os gritos parecem estar muito longe. Começa a ter uma vontade incontrolável de dormir. Você sente cansaço. A dor sumiu. A única coisa que consegue pensar é que novamente você falhou com seu amigo, mas que agora precisa descansar.

Essa é a história do Thor, um Pitbull recolhido cheio de marcas de combate ainda filhote por uma pessoa que conheço. Aos dois anos de idade, quando o portão ficou aberto por descuido do seu do seu dono, Thor escapou de sua casa, atacou outro cão e uma pessoa que tentou separá-los.

Com a história contada nesse texto pretendo mostrar que os motivos dos ataques de uma cão, seja ele um Pitbull ou um Pinscher, não estão ligados aos sentimentos de ódio, fúria, possessão demoníaca, mas ao ambiente em que ele vive, como foi educado e integrado a família. Nesse artigo, escrevi levando em consideração o olhar do cão, que também é uma vítima: a de donos irresponsáveis!

Jorge Pereira.

Artigo AnteriorPróximo Artigo

Comments