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Caos de NY vira cenário para treinamento de cães-guia

Innes, uma cadela da raça Pastor Alemão ainda jovem, tentava atravessar um cruzamento frenético de Manhattan, perto do Central Park, nos Estados Unidos. Entre táxis amarelos e ciclistas, uma buzina ensurdecedora de caminhão. Em seguida, o semáforo passou do verde ao vermelho.


Innes e Faul no metrô de NY

Innes não perdeu sua concentração. Por quê? Ela estava protegendo sua nova tutora, Kathy Faul, de 73 anos, uma deficiente visual da Pensilvânia.

Ambas não tinham muita familiaridade com o cenário caótico de uma das maiores metrópoles do mundo, mas lá estavam elas, se aventurando em Manhattan por uma boa causa: realizar o treinamento da “Seeing Eye”, uma escola de cães-guia de New Jersey. Fundada em 1929, é a escola de treinamento para cães mais antiga do país e uma das maiores do gênero.

Normalmente, o treinamento é realizado em um ambiente suburbano, muito mais calmo que o centro de Manhattan, há uma hora de carro de lá. Mas, para o seu desafio final e para avaliar o foco de um cão-guia, os treinadores levam seus estudantes caninos para um campo de provas nível “hard”.

“Não há lugar mais intenso do que a cidade de Nova York para treinar os cães – é o ambiente mais maluco em que já estiveram”, disse Brian O’Neal, instrutor do Seeing Eye. “Ao final do treinamento, o questionamento é o seguinte: certo, eles já sabem o básico, mas será que são capazes de lidar com a rotina de uma cidade?”

Para descobrir, Faul e outra deficiente visual, Val Gee, de 26 anos, chegaram em uma van para experimentar essas condições urbanas extremas ao lado de seus cães.


Val Gee e Ozma na Sétima Avenida.

“Estou assustada e empolgada ao mesmo tempo”, disse Faul, segurando a guia de couro amarrada a Innes. “Mas se eu puder passar por isso aqui, posso estar com Innes em qualquer lugar.”

O teste envolve obstáculos e perigos potenciais, de buracos a multidões distraídas – sem falar na loucura de tráfego que Faul já estava experimentando, o que incluía até um encontro com um cavalo e uma charrete.

A rota começou em um estacionamento no Terminal de Port Authority, o ponto de partida de um circuito planejado especificamente para “obter as melhores distrações”, disse a treinadora de Faul, Kristen DeMarco.


Gee e Ozma durante as distrações do treinamento.

Depois de se espremerem em um elevador lotado, logo estavam nas catracas do metrô, sendo conduzidas por seus cachorros em meio a um mar de passageiros. A escada estava lotada até a plataforma de embarque e a multidão se manteve impiedosa, empurrando o tempo todo. Nem assim os cães perderam a concentração, eles continuaram calmos apesar do barulho dos trens e dos anúncios sonoros na estação. “Ela mantém seu foco muito bem”, disse Gee, dando tapinhas em Ozma, uma mistura de Retriever.

Para Gee, uma psicoterapeuta de Dayton, Ohio, esta foi a segunda vez em Nova York. “Aqui é bem diferente de Dayton”, disse. Com sua instrutora, Kristen Oplinger, embarcou em um trem e sentou-se ao lado de um passageiro adormecido, enquanto Ozma se acomodava sob o assento.

Em Columbus Circle, subiram a escada rolante para a rua. O primeiro teste não era relacionado a trânsito nem a pedestres, mas sim a um minúsculo cão que andava por perto e intrigava Innes. Seria o primeiro de muitos testes de concentração. Novos cheiros, de hidrantes a vendedores ambulantes.

As calçadas por si já são uma prova de obstáculos, com portas de porão abertas criando poços escancarados. Cruzamentos congestionados, pombos esvoaçantes e britadeiras ligadas eram ruídos suficientes para interferir na comunicação entre o dono e o cachorro.


Faul e Innes enfrentando as multidões e escadarias lotadas.

O primeiro desafio foi o tráfego. Os cachorros pararam no meio-fio, enquanto eram treinados, e tanto Faul quanto Gee ouviam o fluxo para detectar se os carros pararam para o semáforo. Então cada um deu a seu cão um comando para seguir e, assim, começaram a atravessar.

Os cães recebem quatro meses de treinamento na “Seeing Eye”, aprendendo a guiar em meio a obstáculos e a obedecer a comandos, bem como habilidades de atravessar ruas, incluindo o vigiar o tráfego e manter seus mestres a salvo de veículos que possam estar em movimento.

A entidade afirma que conecta cerca de 260 cães com deficientes visuais a cada ano nos Estados Unidos e no Canadá. A maioria vive em algum ambiente urbano – em grande parte por causa do transporte público, facilidade de locomoção e outros serviços – e muitas delas, em Nova York.


Gee e Ozma se virando muito bem e superando as adversidades da cidade.

Cães que não se acostumam a um ambiente urbano podem ser designados a tutores que tendem a não ser frequentadores da cidade. Os mestres também são treinados ao lado de seus cães na escola por várias semanas. Ao fim da estadia vem a viagem a Manhattan.

Embora não seja exatamente um teste, as condições de Manhattan apresentam os cães condições intensas que podem ajudar a revelar aspectos peculiares do trabalho destes animais.

“É uma experiência de treinamento que oferece mais situações do que em qualquer outro lugar”, disse Dave Johnson, diretor de instrução e treinamento da Seeing Eye. “Quase tudo pode acontecer em um dia em Nova York – é uma sobrecarga sensorial até mesmo para os seres humanos“.

Os cães em parceria com Faul e Gee resistiram muito bem a isso. Como nova-iorquinos apressados, os cachorros pareciam frustrados por turistas que andavam devagar. Eles cutucavam as pessoas e esperavam por uma abertura para levar seus donos ao destino.

Gee, que começou a perder sua visão na primeira infância por causa de um distúrbio genético. Já Faul, uma programadora de computadores aposentada perdeu a visão em um acidente de carro enquanto estava na faculdade.

Muitas outras escolas treinam cães em ambientes urbanos. Mas Nova York se destaca, disse Marion Gwizdala, presidente da Associação Nacional de Usuários de Cães-Guia. “A maioria das cidades não tem a agitação de Midtown Manhattan”, disse.

Faul e Gee agora se dirigiam à Sétima Avenida, os cães as guiavam em torno de andaimes que bloqueavam parcialmente as calçadas em uma zona em reforma. Os cães deram a volta em um caminhão da Coca-Cola e bloquearam uma faixa de pedestres, depois evitaram o contato das tutoras com um táxi que fazia uma curva na direção a elas.

Muitos momentos para instrução também parte do roteiro, quando Innes de repente fez uma manobra brusca para direita – em direção a uma loja de perfumes.

Por mais visual que a Times Square seja, com seus outdoors e inúmeras atividades acontecendo ao mesmo tempo, Faul disse que ter sentido uma energia auditiva impressionante. “Sinto-me em um carnaval”, disse ela. “Todo o barulho, todos os bips, todas as pessoas, as diferentes línguas que você ouve. O som ecoa dos edifícios. É como estar no Mardi Gras”, complementou.

Eles andaram pelo estande de venda de ingressos para os teatros e passaram pela Broadway. Gee elogiou a maneira como Ozma ignorou as sirenes estridentes e manteve-a longe de ônibus e caminhões.”Ela parece se concentrar ainda melhor no caos”, disse. No final da viagem a tutora acrescentou que acreditava que enfrentaria apenas um problema: “Ozma vai ficar desapontada quando formos para casa”, brincou entre risos e afagos com o cão-guia.

Créditos de fonte e imagens: New York Times

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